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Autor: Estéfano Ubiali

Autor: Estéfano Ubiali

Ir ao bar faz bem à saúde mental?

Semana passada, a revista Super Interessante publicou, em seu blog, uma matéria com o título: "Ir ao bar faz bem à Saúde Mental".

A simplicidade e objetividade com a qual esse complexo tema foi anunciado me chamou à atenção: será que é assim tão simples?

Vamos lá: a reportagem faz referência ao artigo da Dra. Carol Emslie, socióloga da Glasgow Caledonian University, cujo título é “O papel do álcool na formação e manutenção de amizades entre homens escoceses na meia-idade” (link no final desse post). Descreve o artigo da pesquisadora superficialmente e ainda conclui sugerindo que se diga por aí que “ir ao bar é edificante”.

Sendo assim, proponho:

1. Não estou dizendo que não é. Ir ao bar PODE ou NÃO ser edificante. Depende do contexto, da companhia, da quantidade de álcool ingerida, do local que é frequentado, do meio de transporte para voltar do bar, de quanto se gastou... e por aí vai. São inúmeras variáveis. Não parece mais tão simples, não é?

2. O referido estudo foi feito com um grupo muito específico e pequeno de pessoas. 22 escoceses. De forma qualitativa. O mundo, hoje, tem mais de 7 bilhões de pessoas. Esse espaço amostral não é, nem de longe, significativo para tirarmos uma conclusão científica e tão enfática quanto essa do título.

3. Da mesma forma, o grupo selecionado para o estudo é muito pouco representativo para generalizar uma inferência para qualquer outro lugar, inclusive o Brasil. Para tal, seria necessário reproduzir o estudo diversas vezes, em vários locais e com amostras estatística e significantemente distribuídas. Nada disso foi feito. Foram só homens escoceses. Do oeste, e de meia idade! E que bebem regularmente e frequentam bares!!! Seria como fazer um estudo com monges budistas e concluir que raspar a cabeça aumenta a longevidade e a religiosidade! Faz sentido? E nem foi a pretensão da autora tirar conclusões precipitadas ou generalizar qualquer afirmação para outras populações, como é possível perceber lendo o trabalho (ela mesma enumerou as limitações do estudo em sua discussão). Isso, quem fez, foi a autora da publicação da revista brasileira.

4. O foco primordial do artigo é a discussão da interação do álcool com as construções sociais de amizade e lazer, e a diferença dessa postura masculina com relação ao universo feminino e as suas idiossincrasias na construção da masculinidade. Conta, por exemplo, como alguns grupos justificam seus excessos etílicos classificando os homens que bebem menos de “gays” e tendo comportamentos homofóbicos.

5. Nos resultados, alguns dos participantes ressaltaram aspectos negativos da ingesta alcóolica (entre eles a “depressão de domingo”, sentimento de culpa, etc) e outros relataram efeitos positivos, como dar risadas, fazer “piadas” e brincadeiras, conseguir se abrir emocionalmente, como um “lubrificante social”. Alguns deles referiram que o hábito de beber com os amigos é benéfico para a saúde mental. Perceba que quem afirmou isso foram os entrevistados, e não a autora em sua conclusão.

6. Note que, segundo a tabela de resultados apresentada no artigo, dos 22 homens participantes, 16 haviam feito uso prejudicial ou perigoso de álcool na última semana (72%) – conforme o critério utilizado de 21 unidades de 8g de álcool por semana. Isso, por si só, denota um problema, não uma "solução”, visto que o consumo excessivo e crônico de álcool, assim como a síndrome de dependência, predispõem a diversos transtornos psiquiátricos, inclusive à depressão. Podem também estar associados a transtornos já existentes e não tratados, ou tratados inadequadamente. O álcool, eventualmente, mascara sintomas.

7. Por fim, reforço que a minha crítica não é ao estudo da pesquisadora, que apesar de suas limitações, tem sua função bem estabelecida naquele grupo amostral e como pesquisa qualitativa. Foi bem elaborado e escrito com rigor. A minha crítica é à forma com que a jornalista da Super Interessante distorceu as conclusões para tornar sua matéria mais vendável, "curtível" e “compartilhável” em redes sociais, como uma justificativa para “encher a cara”. Deu certo, conseguiu audiência. Mas a custo da boa informação e da ciência de fato. Não sou contra querer ser curtido ou compartilhado, mas que isso se faça por informação de qualidade e condizente com a ciência (o slogan do site da Super é: “o site para quem ama conhecimento”).

Frequentar um bar e beber pode ser bom ou ruim, não há uma verdade absoluta. Há bons motivos para ir e outros tão bons quanto para não ir.

Cada um (maior de 18 anos) é responsável pela escolha entre beber e não beber e por suas consequências. Quem pode tomar essa decisão por você? Nem eu, nem a Super Interessante, nem os escoceses, nem ninguém.

Por Estéfano Ubiali

Artigo original:

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